Já estávamos assim a alguns meses. Acho que posso dizer, os melhores da minha vida ainda que sempre tivéssemos que escolher os lugares mais afastados, humildes e/ou violentos para passearmos juntos. Apenas em lugares assim os pais dela não freqüentavam ou conheciam pessoas que pudessem nos delatar.
Na semana seguinte, já tínhamos o novo horário oficial das quintas, e na metade do tempo em que passamos juntos, suas consultas acabaram. Bia estava certa quanto aquilo. Era estranho não vê-la no consultório.
Preferia infinitamente vê-la em casa mesmo.
Infelizmente algo deu terrivelmente errado.
Era mais uma segunda como todas as outras. Saia do trabalho e voltava para casa, fazia minha rotina de higiene, jantava, ligava pra Bia e ia dormir.
Ao menos, era o que eu imaginei que seria.
Amo poder vê-la, tínhamos passado o fim de semana inteiro juntos e tudo estava bem, ao menos, acreditava nisso até abrir a porta da cozinha e dar de cara com ela sentada no sofá da sala abraçando as próprias pernas, com o rosto vermelho e de olhos inchados (Tinha dado uma copia da chave para caso de emergência). Não era difícil imaginar o quanto ela havia chorado pra chegar naquele estado. Senti uma sensação ruim, como a do pesadelo que tive no dia em que dormimos pela primeira vez. Algo terrível estava por vir, e eu não sou de acreditar nessas coisas.
-Bia...O que...- Tranquei a porta o mais rápido que pude e apressei-me para a área da sala, ajoelhando-me na frente do sofá a onde ela estava.
Não recebi uma resposta verbal imediata, apenas um abraço apertado e desesperado. Ainda não tinham terminado as lagrimas.
-Acalme-se, está tudo bem, eu estou aqui... – Retribui o abraço, tentando conforta-la de algum jeito para que pudesse falar.
-Por favor...Não deixe...Não deixe eles me levarem, por favor, por favor... – Ela implorava algo que não fazia o menor sentido. O pesadelo dela. Deveria ter se repetido aquela noite.
-Foi só um pesadelo...
-NÃO! – ela berrou e me soltou, indo para o outro canto do sofá e voltando a abraçar as pernas.
-Bia...- Sentei-me ao seu lado novamente, procurando um meio de traze-la para meus braços novamente.
-Ele descobriu... – Parecia finalmente perceber que eu não podia ler seus pensamentos e tinha de me explicar o que acontecia.
Um aperto no meu coração. Desespero. Andrew Maxwell não era o tipo de homem calmo, um empresário muito bem sucedido e imagino que nem sempre tenha sido pelo seu incrível taco pra negócios...
Ela respirou fundo, secou as lagrimas do rosto e ajeitou a postura no sofá, sem voltar a se jogar no meu colo.
-Ele descobriu sobre nós...Não sei como...Discutiu com a minha mãe e pediu divorcio. Ela não sabe de nada. E-eu...Me desculpe Nathan, não podia contar nada, eu acreditava que ficaria com a minha mãe em NY... – Ela estava escondendo aquilo tudo de mim? Obvio que não gostei, senti-me enganado. Para piorar, enquanto ela dizia, tinha certeza que me escondia algo mais, algo maior. – Meu pai venceu a ação. Tinha me proibido falar qualquer coisa para você, caso contasse, ele o colocaria no tribunal, ganharia com facilidade, e acabaria com sua vida. – A pior parte, ele realmente era capaz de fazer isso mesmo tendo ganho e ela se comportado. Ainda a contra gosto, entendi o que ela havia feito, aceitou a chantagem para me proteger.
-E vocês vão para onde...?
-Para a Rússia. Essa sexta. Mandou que eu guardasse tudo que fosse meu, já está quase tudo pronto e ninguém mais sabe.
Bia voltou a se jogar em meus braços e por mais raiva que sentisse por ter me escondido aquilo tudo, não fui capaz de resisti. A abracei com todas as forças que eu tinha, sentindo a vontade dela de chorar passar para mim.
-Por favor, por favor...não deixe eles me levarem...por favor... – Voltou a implorar e a chorar. Tinha algo mais, sabia que tinha, e seja o que for, era menor em comparação a problema iminente. Sua viagem para fora do país de forma forçada.
-Nós...Nós vamos dar um jeito. – Apertava-a com todas as forças que tinha ,assim como ela fazia comigo. Tinha certeza que agora partilhávamos do mesmo medo, de nunca mais poder estarmos assim. – E-eu...Tenho uma antiga fazenda...Em Georgia. Nos podemos...Podemos ir pra lá na quinta de noite. Não sabem nada sobre a fazenda, não será fácil liga-la a mim, nos podemos ficar lá até encontrarmos um lugar melhor pra ficarmos... – Tentava pensar. Desespero não ajudava em nada nisso. Só o cheiro dela e ela ainda estar ali era capaz de me fazer pensar.
-Você não vai levar nada, pra que não desconfie. Saia da aula e venha direto para o bar. Com tantas pessoas, vai ser fácil perde-la de vista...Nos vamos direto. Pego outro carro, deixo o meu na garagem intocado. Ok? Vai dar tudo certo Bia! – Ergui o rosto dela, obrigando-a a me encarar. Tentava engolir o choro e acreditar que tudo daria certo. Nem eu estava acreditando que aquilo daria certo, não conhecendo a fama do Sr. Maxwell.
Nos beijamos, desesperados. Por alguma razão sentia como se fosse uma das ultimas vezes que o faria em vida.
Deveria ter desconfiado que as coisas estavam indo bem demais para mim. Nunca as coisas dão certo. Nunca.
Ela não podia ficar muito tempo, teve que ir antes de levantar suspeitas sobre sua sumida e eu fiquei sozinho repensando o plano e tentando melhora-lo, eliminar as possíveis falhas, tudo. Isso Precisava dar certo.
Terça, consegui o carro, apesar de arranjar um de forma que não pudessem chegar até mim posteriormente definitivamente não fosse a minha praia, eu consegui.
Quarta, deixei-o pronto para partir, isso incluía algumas mudas de roupas para mim e para Bia (Desnecessário comentar o desconforto em comprar essas ultimas). Também comprei um presente surpresa pra ela.
Quinta. O pior dia de todos. Mal conseguia prestar atenção e simplesmente deixei os alunos seguirem com o seminário, fingindo alguma atenção e limitando-me a corrigi-lo em caso de erros muito gritantes – que obviamente foram ditos – e corri para casa. Peguei o carro, estacionei ao lado do boteco e fiquei sentado escondido em um canto a sua espera.
Pedi uma cerveja, da qual quase não toquei, chamei um bêbado para sentar comigo e disfarçar, deixei a bebida pra ele e pedia outra de tempos em tempos. Mãos suando frio, radio ligado a espera de qualquer aviso dela de que estava chegando. Nada
Cheguei as 6 – o que em plena sexta, significa um considerável movimento – já aproximava-se as 11 da noite e nenhum sinal.
Sai de lá pela manha, quando o bar fechou e nenhum sinal dela.
Peguei o carro e fui até o aeroporto de John F. Kennedy. Sabia que se ela não apareceu e nem me deu nenhum tipo de informação significava que algo havia dado terrivelmente errado.
Estava exausto, quase 24 horas acordado direto e em alerta sempre. Foi quando eu vi. O homem alto e forte sempre de terno e gravata entrar na fila pro check-in. Junto dele, um outro homem bem mais baixo, com uma certa idade e três seguranças que era mais gorilas que homens. Por fim, entre eles, sem escapatória, Bia.
Meu coração travou. Ela estava pálida, com cara de quem não havia dormido também, usando um velho jeans, botas e um casaco de peles o que indicava que realmente estava indo para um lugar muito frio.
Mantive-me o mais que podia quieto onde estava, de costas. Mandei-lhe uma mensagem pelo aparelho e ela recebeu.
-Me entregue isso.
-Nem se atreva a mexer nas Minhas coisas – Ela rosnou para um dos seguranças, leu a mensagem com o celular ainda dentro da bolsa e a fechou, sem me procurar. Assim que as coisas deveriam ser.
-Tenho que ir no banheiro.
-Você não vai a lugar algum Bia!
-Ok pai, então você quer que eu fique com as calças vermelhas bem no meio do aeroporto até nosso vôo sair?! – Só ela tinha coragem de agir assim com o Sr. Maxwell, que a fuzilou com o olhar.
-Você, vá com ela. – Disse, indicando um dos seguranças.
-Ele vai ficar na porta! – Aquilo foi quase um grito. – Não quero entrar no banheiro com um homem!
O segurança parecia estar fazendo força para não responder a dondoca ou fazer coisa pior.
Era minha deixa. Sabia onde eram os banheiros de lá e como eram suas janelas, já tinha viajado ali antes. Rezava internamente para que Bia tivesse a mesma idéia que eu. Sai do aeroporto e fui para a parede do lado de fora que correspondia aos banheiros. Não era o lugar mais cheiroso, mas se fosse nossa chance, pouco se importava o cheiro!
Em menos de dez minutos eu a estava abraçando mais uma vez. Um beijo longo e demorado, como se não existisse amanha – e de certa forma não existiria mais – quando finalmente paramos, estávamos arfando pela falta de ar. Adrenalina e desespero. Não tínhamos muito tempo
-Vamos!
-Espere, tenho uma coisa que eu quero te entregar antes. Temos uns 10 minutos no maximo...- E cacei dentro do meu casaco a caixinha de veludo preto. Tinham duas alianças de prata dentro, um pra cada um e com o nossos nomes trocados dentro (o meu na aliança dela, e o dela na minha.). Acho que nunca a vi sorrir tanto quando no momento em que recebeu o meu anel. Era importante pra ela aquilo, já havia dito antes, e agora era importante pra mim, pois sabia que a probabilidade de fugirmos juntos era remota.
Não houve troca de palavras, colocamos nossos anéis e corremos. Não tínhamos tempo.
Entrei no carro, e antes mesmo de conseguir dar a partida, braços monstros já estavam abrindo a porta em cada lado, puxando nos dois para fora.
-Bia!
-Nathan! Me largue seu gorila desgraçado! – Xingava-o de tudo que conhecia enquanto se debatia. Nessa hora senti inveja dos valentões da escola. Se eu tivesse um mínimo de força, talvez tivesse conseguido fazer mais do que apenas ser preso e forçado a observa-los levarem-na de mim. Alias, apenas um a levava aos berros e lagrimas até o pai e o outro homem baixinho que esperavam não muito longe dali no estacionamento.
-BIA! – Ela chorava, se desesperava e lutava com tudo que podia para ser solta.
(As luzes do estacionamento começaram a explodir)
Essa luta não durou muito. O acompanhante anônimo, que agora imagino que fosse um medico ou um enfermeiro contratado pelo Sr. Maxwell para manter a filha sedada, fazia seu papel. Uma agulha no pescoço e em segundos ela já não gritava, não fazia força, tudo que podia era chamar meu nome enquanto tivesse forças e manter os olhos pra mim, até mesmo depois de se fecharem.
Estava tudo acabado. Eles haviam ganho e levado-a de mim.
-Acabem com ele. Ela descumpriu nosso acordo, não devo manter a minha parte. – Foram as ultimas palavras daquele antes de ir embora, os quatro, deixando dois seguranças para trás que dariam conta de terminar o serviço, ou seja, terminar comigo.
Começando pelo clássico soco no estomago. Acho que nada do que eu apanhei na minha vida havia me preparado para algo tão ruim quanto.
Mais outros golpes, e um na cabeça foi o suficiente para me fazer desmaiar.
Acordei no hospital alguns dias depois, com toda uma equipe medica cuidando de mim a pedido de algum desconhecido.
Não tinha vontade de continuar. Havia perdido a única coisa que vali a pena, que me fazia sorrir. A essa altura, ela já estava na Rússia.
Tentava me esforçar, lembrar-me de qualquer coisa, qualquer coisa. Com a ordem de Andrew Maxwell, eu certamente era para estar morto, e nenhum dos dois guarda-costas pareciam ter ido com a minha cara para poupar-me a vida. Alguma coisa aconteceu. A policia? Sendo ordem de quem foi, muito provavelmente nem eles se dariam ao trabalho de olhar.
E ainda alguém me deixou no hospital com uma boa equipe cuidando de mim.
Por que?
Que importa?
Gosto amargo.
Eles iriam pagar.
Era a última vez que eu fora o idiota fraco que simplesmente permitia que os outros tirassem as coisas de mim, as pouquíssimas que importavam, e riam.
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